quarta-feira, 18 de março de 2009

Caminhos cruzados I










Eram quase sete da manhã. Manhã cinza em Brasília. Fui experimentar o café da manhã do hotel que, pelo restante dele, me enchia de expectativa. Hotel que eu me hospedei por acaso, já que a reserva me esperava em outro, onde nunca apareci. Parênteses: Todos sabemos que Brasília foi metodicamente construída, mas de tão metódica, se tornou um grande “lego” -  dizia uma japonesa curitibana -  onde tudo é igual, só mudam as cores, e olhe lá. Tudo junto, da mesma espécie, no mesmo lugar. Bancos no lugar dos bancos, residências apenas na área residencial, hotéis somente no setor de hotéis. Um na Asa Norte e outro na Sul, mas só ali, naquele setor, naquelas quadras, tu os encontras. Um ao lado do outro, similares, altos, imponentes. Mas tão iguais. Fecha parênteses. Bom, fui para o café. Grande parte senhores engravatados, grisalhos. Uma que outra mulher, eu, umas três noutra mesa, e uma outra, só, na mesa logo ali. Sotaques de todos os tipos. Viajava tentando imaginar de onde era cada um. A menina nova, como eu, estava de calça azul de terninho, cabelo liso, não deveria ter 30 anos. (Depois dela, só eu com menos de 30, provavelmente).  Memorizei-a porque suas unhas me chamaram a atenção. Coisa de mulher. O esmalte era lindo, um vermelho diferente, que eu percebi enquanto ela segurava a taça do café. Dali uma tarde inteira de reunião, da reunião ao aeroporto, da geométrica Brasília ao caos agradável de POA. Sim, agradável. Cheguei à noite, e acho aquela imensidão de pontinhos luminosos, como se a cidade estivesse coberta de pisca-pisca de árvore de natal, muito mais linda e atraente que aqueles quadradinhos organizados que a gente vê de cima quando chega à Capital Federal. Os legos de lá parecem não ter vida, não como os da nossa infância. É tudo reto demais, frio demais, de curvas só o que Niemeyer ousou. Eu nunca achei agradável andar pela Rua da Praia em meio ao aglomerado de gente, onde é preciso desviar sem que consigamos evitar algum esbarrão. Mas depois que conheci Brasília, até desse contato eu sinto falta. Não há calçadas. Não há proximidade, nem toque, nem encontro. Há vias, muitas. Organizadas. Mas o caos humano  de todas as outras capitais se tornou, para mim, muito mais interessante. Bom, mas esse texto não era para falar sobre isso. Retornar é sempre bom, mas quando a viagem é curta, nem dá pra sentir a sensação do lar-doce-lar.  Fui para a esteira, desfile de bagagens. Quando me dirigia a encontrar um cantinho pra ver a minha passar, passa por mim uma moça. Mundo ridiculamente pequeno. (a vida me prova mais uma vez). Passou por mim falando no celular. Calça de terninho azul. Sim era ela, que de manhã, num hotel que eu entrei por acaso, tomou café na mesma hora que eu e que podia ser de qualquer parte do país, como todos aqueles outros de sotaques estranhos ao meu. Era ela, mesmo que eu não tenha visto as unhas. Mundo absurdamente pequeno, em que caminhos-nada-a-ver se cruzam, assim, numa quarta-feira qualquer.

 

Caminhos cruzados II


A cidade pode ser sem graça, sem vida, sem contato. O destino pode ser sem graça, o lugar, o canto que nos espera para ficar ou para passar. Mas é incrível como tudo muda se há um abraço a te esperar. Eu não gosto de Brasília, como se pode perceber. Mas saber que lá encontro um dos abraços mais importantes da minha vida, me faz querer estar ali. Talvez porque quando há sentimento, há gente que a gente gosta, todo o resto some e até os legos voltam a ser divertidos.

ps.1: Essa é a Fê: o abraço que dá sentido ao lego

ps.2: A história da menina das unhas é real.

(Voltei!!!)
Lidy

 

1 comentários:

Marcelo disse...

Inspirou-se! E como sempre matou à pau!!!