Que coisa doida essa vontade. Vontade louca, sede de palavras. "Tu bebes?"
E lá vai ela cavocar nas entrelinhas do cotidiano, de dentro e de fora de si, um mote qualquer pra transformar em linhas, parágrafos, frase. Poderia falar do sentido de amizades verdadeiras, depois de um reencontro feliz, de mensagens honestas e sensíveis, de amigas que não se vêem, mas se sentem.
Poderia falar dessa força do sentir, que rompe barreiras de distância, de tempo, de coisas quaisquer, quando é verdadeiramente real dentro de alguéns. Poderia falar, por outro lado, da saudade. Da distância entre almas que se aproximam no subjetivo, nas sensações, mas que a distância real deixa quilômetros de tristeza nos olhares que não se encontram mais.
Poderia falar do destino, que cruzou caminhos e que agora os faz distantes. Que a fez feliz quando colocou pérolas na sua vida, mas foi impiedoso ao afastá-las quando parecia haver ainda tanto por viver. Pode, ainda, falar disso, disso que ainda há, desse amanhã que há de reservar esses reencontros, ou outras surpresas felizes. Ela é otimista, e crê na possibilidade de ter por perto os sorrisos que outrora coloriam seus dias. Aliás, esse otimismo a faz crer em tantas coisas...
Poderia, quem sabe, discorrer sobre isso... sobre esse jeito leve, ainda que não descompromissado, de levar adiante os compromissos, as tarefas, as coisas menos e mais prazerosas da vida. Não há nuvem cinza que a impeça de enxergar detalhes que fazem de cada segundo, um instante especial. Não há mágoa momentânea que lhe impeça de sorrir, numa alegria que sempre dura mais que o tempo que uma lágrima leva para molhar o rosto por tristeza. Não há tempo para elas... para as tais tristezas. Porque ela acha que o tempo de vida é precioso demais para passar triste, para virar um passado que se quer esquecer.
Antes do esquecimento, quem sabe tudo isso vire uma poesia, já que a sede, insaciável, persiste mesmo depois do rascunho de um texto despretensioso, que saiu da vontade de escrever sobre o que escrever. Um soneto, uma ode, prosa poética qualquer... quartetos e tercetos que vão ficar pra depois.
E ela esperou ansiosamente o vento gelado na nuca, o cobertor pesado sobre o corpo, o leite quente pela manhã. A época da elegância desfila mantas coloridas e botas de cano longo. A grama verde, agora branca, do gelo que “cai do céu”. Tardes ensolaradas e convidativas, a espreitam. “Vamos fugir?”. À noite, delicias gastronômicas e um bom vinho. Bochecha vermelha e o brilho nos olhos. (Lembrou de sua mãe dizendo sentir a perna afrouxar no primeiro cálice).
A cama quente parece manter o corpo imantado nas manhãs geladas. Uma preguiça que logo se esvai, quando a vontade que o dia não termine toma conta, (Afinal, paisagens fotográficas, cinematográficas, estão logo ali, do outro lado da janela). E em silêncio, na janela, ela pede que o sol não se vá “a menos que eu possa vê-lo adormecer...”. E quando ele se vai, o escurecer traz os sonhos e desejos embalados no vento minuano do sul.
Com o nariz gelado, encostado na mão dele, o pé tão gelado quanto, escondido entre a perna dele e o sofá, ela sorri. Para no instante seguinte submergir no abraço longo, quase infinito, que exala a saudade do cotidiano. O blusão de lã azul dele esquenta os dois, mas nada transmite mais calor que a energia trocada ali, no abraço apertado e sincero de quem muito se quer.
Na sala vazia de outros e cheia dos dois, já levantados do sofá confortável sobre o tapete felpudo, ela, recostada no peito dele, sobe na ponta dos pés para chegar próxima ao ouvido, sussura baixinho: “adoro inverno e amo você” (em todas as estações).
Lidy.
Te aprochega, senta com a gente, e entre um gole e outro faz o verbo sair. Vem beber palavras que transbordam em copos sempre meio cheios. Petiscos de ideias com sabor de reticências. Num eterno brinde à vida. tim-tim. Saludos da menina da fronteira, Lidy, e um forte abraço do poeta dos pampas, Marcelo.