É nas pequenas coisas,
por vezes vãs,
que às vezes a gente não vê.
Vozes, ventos, tempo. Volátil.
Nelas, fragmentos que vão e vem
e voltam, ou não.
Nelas, com elas, coisas nossas tantas,
invisíveis, em vão.
Voam, livres...
por ai.
Um ano a mais ou menos de vida. Depende se você enxerga o copo meio cheio ou meio vazio. Quando um ano de vida a mais se completa, é como se num caleidoscópio enxergássemos o que fomos, o que somos, e projetamos o que podemos ser. Fazemos planos. Retomamos planos anteriores. Olhar o retrovisor é nostálgico e ao mesmo tempo feliz.
Chegar aos 25 me faz lembrar quando tinha 13 e planejava para os vinte-e-poucos-anos as grandes cerimônias da vida. Formatura, casamento, filhos. Tudo outrora tão distante. Tudo agora tão ali. Tudo agora que passou e que dá saudade. Tudo o que eu imaginava e que não se cumpriu. Tudo o que eu sequer sonhava e que se realizou. A vida é mesmo surpreendente. Onde mesmo eu sonhava em chegar? Memória com rasuras, não me permite saber quem eu gostaria de ser exatamente, tampouco lembrar quando me decidi ser quem sou.
Bailarina, atriz, pintora, jornalista. Universitária, profissional, independente, mulher. Amante, amiga, cúmplice, colega, filha, mãe. Mas lembro sim da Lidiane que eu sonhava e ainda sonho ser. Porém o longo caminho aos vinte-e-poucos se transforma na contagem regressiva dos trinta. Porque a gente não perde a mania de continuar planejando os grandes rituais (aqueles que os querem viver, evidentemente). A gente segue tentando construir um projeto de vida, mesmo aprendendo, depois dos vinte-e-poucos, que ele dificilmente se concretize da forma e no tempo que a gente planejou.
Talvez porque precisemos de algo a perseguir. Aquilo que nos motiva a acordar todos os dias, a lutar por uma carreira bem sucedida, por uma vida estável, por mais aprendizado, mais experiência. Superar-nos. Há sempre algo por traz dessa busca desenfreada, nem que seja o desejo de um coração tranqüilo. Somos seres movidos a desafios, a objetivos, a sonhos, a um querer. A vários. E que bom que é assim. Porque viver sem motivo, é apenas existir.
Lidy
(complementando...)
Bastou um filme e um fato pra aquele nó na garganta voltar. Essas coisas que nos motram o quanto a vida é efêmera mexem tudo aqui dentro. Sabe quando um temporal chega de surpresa e as janelas estão abertas? Vendaval que bate as janelas, derruba os livros, espalha os papéis pelo chão. E então tu percebes que sim, as coisas podem mudar completamente a qualquer momento e em qualquer lugar, para qualquer pessoa, inclusive pra ti.
A efemeridade da vida é assim, feito vendaval, que de uma hora pra outra desarruma tudo, tira tudo do lugar, te leva coisas que tu achas que não poderias viver sem. A efemeridade da vida é a certeza da perda. Ou perdemos algo, ou alguém nos perde. Não, não... não comecei esse texto pensando em combinar frases mórbidas e doloridas. O start sim, foi esse. Um fato e um filme que falam disso: da perda, culpa da efemeridade da vida.
É que é nesses momentos que essa característica intrínseca a qualquer existência vem à tona. E então dá vontade de sair desesperadamente pela rua, cantando a música preferida, gritando para as pessoas importantes da sua vida que elas de fato são importantes, ir até o curso de dança mais próximo, matricular-se, para satisfazer aquele desejo que, até então, era só um desejo deixado de lado pelos compromissos e responsabilidades.
É isso que esse vendaval faz comigo. Me sacode e me faz enxergar o quanto estamos cegos à nós mesmos. O quanto deixamos de lado tantas coisas que gostaríamos de fazer, de dizer, de sentir. É esse vendaval que nos traz de volta ao sentido da vida e te abre os olhos para o único fim irremediável, e te enche de gás, te encoraja a fazer tudo que queres fazer antes que esse fim chegue.
Porque ele há de chegar, a qualquer momento. E quando isso ocorrer, não quero olhar para trás e perceber que carrego comigo frases de amor não ditas, abraços não dados, palavras caladas, desejos repreendidos. Talvez amanhã não consiga matricular-me no curso de dança que tanto quero, mas hoje, não passa de hoje, direi ‘eu te amo’ com todas as forças para o homem que fez meus olhos voltarem a brilhar. Ligarei para aquela minha amiga de infância que em um e-mail, lido às pressas em meio ao trabalho, me confessou sua tristeza e eu nada respondi, porque me perdi nas tarefas e me deixei esquecer.
Abraçarei com toda minha alma aquela alma irmã que encontrei na faculdade e que felizmente ainda está perto de mim. (Nos vemos quase todos os dias, mas há quantos não nos apertamos naquele abraço infinito?) Olharei para minha mãe e direi a ela o quanto ela tem razão nas coisas que diz, e passarei a escutar as verdades que ela me fala a cada novo dia e que eu ignoro, para depois descobrir que eram realmente verdades. (É, tava frio aquela noite em que eu não levei o casaco, mãe).
Ontem, ontem mesmo lia Álvaro de Campos (um presente que veio no diálogo com um amigo), e pensava nisso tudo... Em como há de se ter intensidade nas coisas que fazemos, nos segundos que vivemos, nos fragmentos que sentimos. Diz o poeta: “seja como for a vida, de tão interessante que é a todos os momentos, a vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger, a dar vontade de dar pulos,de ficar no chão...”. Há quanto tempo não te permites pular? Há quanto tempo a vida não roça teus ânimos, teus nervos, eriça teus pelos? Não, não pare para pensar nesse tempo. Viva o tempo que há, enquanto o vendaval não chegar.
o fato: a perda de um colega.
o filme: p.s: eu te amo.
Lidy
Faço versos como quem cospe sentimentos
Com quem grita emoções
Como quem cala o mundo nas palavras
Como quem o liberta pelos dedos
Como quem o compreende com o coração
Faço versos como a criança
Que faz beiço pra dor
Que não controla o choro
Que não segura a lágrima
Que sem querer, sorri
Faço versos como o bêbado
Que enrola as palavras
Que não as mascara
Que fala o que sente sem amarras
e esquece o que convém
ele no inconsciente, eu no papel
Faço versos como um covarde
Como quem sente e cala
Como quem sofre e disfarça
Como quem desaba e esconde
Como quem se refugia nos versos que constrói
Faço versos como quem não vê
No escuro da alma
Na noite de amor
No silencio do não dito
Na imensidão do escrito
Faço versos como quem cai e se afoga no próprio vazio
Como quem mergulha no abismo interior
E cavoca, e viaja, e descobre
E joga tudo nos versos
Simples assim...
Faço versos como Quem ama
Quem sonha
Quem vive
Faço versos que falam por mim...
Lidy em 5/5/2005
Eram quase sete da manhã. Manhã cinza em Brasília. Fui experimentar o café da manhã do hotel que, pelo restante dele, me enchia de expectativa. Hotel que eu me hospedei por acaso, já que a reserva me esperava em outro, onde nunca apareci. Parênteses: Todos sabemos que Brasília foi metodicamente construída, mas de tão metódica, se tornou um grande “lego” - dizia uma japonesa curitibana - onde tudo é igual, só mudam as cores, e olhe lá. Tudo junto, da mesma espécie, no mesmo lugar. Bancos no lugar dos bancos, residências apenas na área residencial, hotéis somente no setor de hotéis. Um na Asa Norte e outro na Sul, mas só ali, naquele setor, naquelas quadras, tu os encontras. Um ao lado do outro, similares, altos, imponentes. Mas tão iguais. Fecha parênteses. Bom, fui para o café. Grande parte senhores engravatados, grisalhos. Uma que outra mulher, eu, umas três noutra mesa, e uma outra, só, na mesa logo ali. Sotaques de todos os tipos. Viajava tentando imaginar de onde era cada um. A menina nova, como eu, estava de calça azul de terninho, cabelo liso, não deveria ter 30 anos. (Depois dela, só eu com menos de 30, provavelmente). Memorizei-a porque suas unhas me chamaram a atenção. Coisa de mulher. O esmalte era lindo, um vermelho diferente, que eu percebi enquanto ela segurava a taça do café. Dali uma tarde inteira de reunião, da reunião ao aeroporto, da geométrica Brasília ao caos agradável de POA. Sim, agradável. Cheguei à noite, e acho aquela imensidão de pontinhos luminosos, como se a cidade estivesse coberta de pisca-pisca de árvore de natal, muito mais linda e atraente que aqueles quadradinhos organizados que a gente vê de cima quando chega à Capital Federal. Os legos de lá parecem não ter vida, não como os da nossa infância. É tudo reto demais, frio demais, de curvas só o que Niemeyer ousou. Eu nunca achei agradável andar pela Rua da Praia em meio ao aglomerado de gente, onde é preciso desviar sem que consigamos evitar algum esbarrão. Mas depois que conheci Brasília, até desse contato eu sinto falta. Não há calçadas. Não há proximidade, nem toque, nem encontro. Há vias, muitas. Organizadas. Mas o caos humano de todas as outras capitais se tornou, para mim, muito mais interessante. Bom, mas esse texto não era para falar sobre isso. Retornar é sempre bom, mas quando a viagem é curta, nem dá pra sentir a sensação do lar-doce-lar. Fui para a esteira, desfile de bagagens. Quando me dirigia a encontrar um cantinho pra ver a minha passar, passa por mim uma moça. Mundo ridiculamente pequeno. (a vida me prova mais uma vez). Passou por mim falando no celular. Calça de terninho azul. Sim era ela, que de manhã, num hotel que eu entrei por acaso, tomou café na mesma hora que eu e que podia ser de qualquer parte do país, como todos aqueles outros de sotaques estranhos ao meu. Era ela, mesmo que eu não tenha visto as unhas. Mundo absurdamente pequeno, em que caminhos-nada-a-ver se cruzam, assim, numa quarta-feira qualquer.
Caminhos cruzados II
A cidade pode ser sem graça, sem vida, sem contato. O destino pode ser sem graça, o lugar, o canto que nos espera para ficar ou para passar. Mas é incrível como tudo muda se há um abraço a te esperar. Eu não gosto de Brasília, como se pode perceber. Mas saber que lá encontro um dos abraços mais importantes da minha vida, me faz querer estar ali. Talvez porque quando há sentimento, há gente que a gente gosta, todo o resto some e até os legos voltam a ser divertidos.
ps.1: Essa é a Fê: o abraço que dá sentido ao lego
ps.2: A história da menina das unhas é real.
(Voltei!!!)
Lidy
Te aprochega, senta com a gente, e entre um gole e outro faz o verbo sair. Vem beber palavras que transbordam em copos sempre meio cheios. Petiscos de ideias com sabor de reticências. Num eterno brinde à vida. tim-tim. Saludos da menina da fronteira, Lidy, e um forte abraço do poeta dos pampas, Marcelo.