terça-feira, 17 de junho de 2025

Marca de rememórias

Então… Há tempos uma música não mexia tanto comigo. Não revolvia e trazia à tona tantos sentimentos, tantas lembranças, tantos momentos. Passou um filme na retina, aventando possibilidades nefastas e desfechos funestos. Soprou leve a brisa ardida do medo e da angústia. Passou de relance nos lábios o gosto amargo e vil da derrota na jornada. Mas como toda boa música, de letra encaixada, realista e verdadeira, transmite em seu desenvolver, através da melodia, a paz e a serenidade que todo homem de bem e vitorioso saboreia lentamente, como quem sorve um bom chimarrão no frio do inverno. Em nosso cancioneiro local, muitas são as histórias contadas pelas músicas onde um pai se esmera e busca dar o que pode aos seus, mas poucas são as que contam essa história com total sensibilidade e perfeito ritmo. Traz na sua essência a simplicidade e humildade do homem terrunho, dos homens que com seu viver e sua faina, deram vida e inspiraram a tradição do gaúcho campesino. Porque mexeu? Não sei explicar com exatidão. Mas desde os idos tempos, quando decidi sair do rancho dos meus pais e ganhar mundo com as próprias pernas, não sentia essa emoção brotar tão forte ao escutar uma música. E, pra minha total surpresa, ela, aos meus ouvidos, era inédita! E bateu forte. Nas outras vezes eram músicas que me traziam diversas boas lembranças e passagens que eu, por livre escolha, havia deixado pra trás. Mudança era o que buscava. As marcas daquela época remexiam fundo também, reavivavam fortes emoções, mas cumpriam a missão de verificar se eu realmente estava convicto do que buscava. E sim, estava. Foi necessário persistir e seguir. Porque hoje bateu tão forte? Não sei ao certo, ainda não refleti com profundidade sobre a questão. Talvez seja pela similaridade das situações de presente e passado, onde a persistência, a resiliência e as convicções estejam à prova, permeadas por incertezas indigestas que por maulas, assolam o otimismo por breves lampejos. Talvez, pelos também breves momentos da vida onde nos permitimos deixar as emoções virem à tona, como forma de aliviar a pressão e extravasar um bom tanto dos sentimentos que vez ou outra se afivelam no peito e se aquerenciam dentro dos pensamentos, judiando o coração. Momentos, nada mais. Bem sei! Lembranças, sonhos, devaneios. Mescla de acordes e timbres muito bem feitos que pegam o vivente no contrapé dos sentimentos. A invernia rusguenta desse brasil sulino faz dessas. Assola o pasto, umedece o chão, abafa a baixada, fazendo até as paredes e muros escorrerem lágrimas que só o fogo, com sua vivacidade bruxuleante e seu crepitar audaz consegue conter. E aí reside toda a essência e o mistério da emotividade que emerge. Lembrar de tudo que passamos, e saber do muito que ainda iremos passar. Relembrar os cortantes açoites da vida, que sem refresco e nem trégua, sozinhos, sentimos, assimilamos, enfrentamos. Mas acima de tudo, ter a paz no coração e a serenidade na consciência, de entregamos o nosso melhor a cada dia, sempre buscando dar conforto, afago e aconchego aos nossos. Poncho Miliqueiro é uma pérola que tem tudo pra ser tornar um hino do gauchismo. Será daquelas a ser lembrada em cada roda de violão, no transcorrer do tempo, quando alguém precisar exemplificar a luta de um trabalhador, de um batalhador, de um pai de família buscando prover os seus. Parabéns Pirisca e aos demais. Título mais que merecido!

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