Então…
Há tempos uma música não mexia tanto comigo. Não revolvia e
trazia à tona tantos sentimentos, tantas lembranças, tantos
momentos. Passou um filme na retina, aventando possibilidades
nefastas e desfechos funestos. Soprou leve a brisa ardida do medo e
da angústia. Passou de relance nos lábios o gosto amargo e vil da
derrota na jornada. Mas como toda boa música, de letra encaixada,
realista e verdadeira, transmite em seu desenvolver, através da
melodia, a paz e a serenidade que todo homem de bem e vitorioso
saboreia lentamente, como quem sorve um bom chimarrão no frio do
inverno. Em nosso cancioneiro local, muitas são as histórias
contadas pelas músicas onde um pai se esmera e busca dar o que pode
aos seus, mas poucas são as que contam essa história com total
sensibilidade e perfeito ritmo. Traz na sua essência a simplicidade
e humildade do homem terrunho, dos homens que com seu viver e sua
faina, deram vida e inspiraram a tradição do gaúcho campesino.
Porque mexeu? Não sei explicar com exatidão. Mas desde os idos
tempos, quando decidi sair do rancho dos meus pais e ganhar mundo com
as próprias pernas, não sentia essa emoção brotar tão forte ao
escutar uma música. E, pra minha total surpresa, ela, aos meus
ouvidos, era inédita! E bateu forte. Nas outras vezes eram músicas
que me traziam diversas boas lembranças e passagens que eu, por
livre escolha, havia deixado pra trás. Mudança era o que buscava.
As marcas daquela época remexiam fundo também, reavivavam fortes
emoções, mas cumpriam a missão de verificar se eu realmente estava
convicto do que buscava. E sim, estava. Foi necessário persistir e
seguir. Porque hoje bateu tão forte? Não sei ao certo, ainda não
refleti com profundidade sobre a questão. Talvez seja pela
similaridade das situações de presente e passado, onde a
persistência, a resiliência e as convicções estejam à prova,
permeadas por incertezas indigestas que por maulas, assolam o
otimismo por breves lampejos. Talvez, pelos também breves momentos
da vida onde nos permitimos deixar as emoções virem à tona, como
forma de aliviar a pressão e extravasar um bom tanto dos sentimentos
que vez ou outra se afivelam no peito e se aquerenciam dentro dos
pensamentos, judiando o coração. Momentos, nada mais. Bem sei!
Lembranças, sonhos, devaneios. Mescla de acordes e timbres muito bem
feitos que pegam o vivente no contrapé dos sentimentos. A invernia
rusguenta desse brasil sulino faz dessas. Assola o pasto, umedece o
chão, abafa a baixada, fazendo até as paredes e muros escorrerem
lágrimas que só o fogo, com sua vivacidade bruxuleante e seu
crepitar audaz consegue conter. E aí reside toda a essência e o
mistério da emotividade que emerge. Lembrar de tudo que passamos, e
saber do muito que ainda iremos passar. Relembrar os cortantes
açoites da vida, que sem refresco e nem trégua, sozinhos, sentimos,
assimilamos, enfrentamos. Mas acima de tudo, ter a paz no coração e
a serenidade na consciência, de entregamos o nosso melhor a cada
dia, sempre buscando dar conforto, afago e aconchego aos nossos.
Poncho Miliqueiro é uma pérola que tem tudo pra ser tornar um hino
do gauchismo. Será daquelas a ser lembrada em cada roda de violão,
no transcorrer do tempo, quando alguém precisar exemplificar a luta
de um trabalhador, de um batalhador, de um pai de família buscando
prover os seus. Parabéns Pirisca e aos demais. Título mais que
merecido!
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