quinta-feira, 24 de julho de 2008

Não cabe em $$$$


Estava vindo para mais um dia de vida dura, quando o programa jornalístico que ouvia pelo rádio do celular (viva a midiatização!) voltou a falar da Lei Seca. (Que nem é Lei Seca, mas sim de Tolerância Zero. A mídia anda confundindo as bolas, quer dizer, as leis). Por um bom tempo não se falou em outra coisa, mas o rumo que a abordagem tomou é o que me incomoda de uma certa maneira.

Falou-se do grau de alcoolismo que pode ficar no sangue depois da ingestão de um bom-bom de licor (mania de jornalista de fazer “links” com a realidade e acabar com correlações excêntricas); falou-se do tempo que demora para que o bafômetro não detecte o álcool ingerido; falou-se sobre as estatísticas após a lei começar a vigorar; das artimanhas de bares e restaurantes para não perder a clientela; do aumento da renda dos táxis; e até charges divertidas foram criadas, como não poderia deixar de ser.

Eis que, parece que após quase esgotado o assunto, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulga os gastos com acidentes públicos nas rodovias brasileiras. Ao cavocarem abordagens para não perder a pauta, é a vez da imprensa unir a Lei com o “rombo” dos cofres públicos cada vez que uma equipe se dirige a socorrer um acidente. Gastos médicos, hospitalares, de perda de renda, remoção e recuperação de veículos, administrativos, judiciais e previdenciários: R$22 bilhões por ano.

Cifras e mais cifras, para reforçar que a diminuição dos acidentes é necessária “vejam os gastos que cada acidente causa!!”. (Ahh, agora sim, me convenci de que precisamos ter mais cuidado. Imagina??? Causar essa perda inestimável para o Governo, para a União? Imperdoável). E eu me pergunto: e a campanha já não vale pelos “gastos” incontáveis ao se perderem vidas? Gastos que não se pagam, não se contam, não se explicam, muitas vezes, não se curam. Essa, para mim, é uma justificativa que se basta. Qualquer outra me parece insensível, dispensável e pouco pertinente principalmente ao se falar dos cofres públicos que por motivos beeem menos importantes e mais inescrupulosos vêem sair cifras e mais cifras direto para a conta de pessoas-que-sabemos-quem.

Confesso, me agrediram todas aquelas informações. Ipea está no seu dever de buscar números e números. Mas ligar esses números a uma campanha anti-violência-no-trânsito, me doeu. Bilhões dispensados a cada triste acaso que pode ser por excesso de bebida, de precaução, de tristeza, de velocidade, de falta de juízo, culpa do destino, o que for. Mas danem-se os bilhões. Esses vão e voltam, um dia. Ou vão para onde não devem. Wathever. Já uma vida, várias vidas, essas são irrecuperáveis. E nem esses bilhões são capazes de pagar a tristeza de ver alguém que se ama partir. E só essa sensação basta para sabermos o que é certo e errado, para tomarmos cuidado, no trânsito ou em qualquer outro lugar em que o que esteja em risco é o que temos de mais valor: a vida, que é uma só e não cabe em cifras.

1 comentários:

Anônimo disse...

Lidi!
Gostei do texto e concordo com você... me decepciona esse "desvio" do foco que realmente importa. Salvar vidas!